Modelos de mercado e experiências internacionais são espelhos para melhorar o desempenho brasileiro no setor de água e esgoto
“Com o ritmo atual de investimentos Brasil só atingiria serviços universais em água e esgoto em 2052”. Com esta frase, o economista e consultor em saneamento Gesner Oliveira, da GO Associados, apresentou a palestra “O arranjo institucional do saneamento brasileiro em perspectiva comparada”, parte do Seminário Nacional AESBE 30 Anos, realizado esta semana em Brasília.
A fragmentação institucional do setor é vista como impeditivo para o avanço do setor, e aponta a importância do papel da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (AESBE) para a evolução da prestação de serviços de água e esgoto.
“Quando a gente olha o saneamento brasileiro e o compara com outras áreas, percebe uma arquitetura institucional mais fragmentada, com planejamento dividido em várias esferas, regulação nas esferas estadual e municipal, e a operação de diferentes formas. A maior parte dos municipais ainda não tem uma regulação econômico-financeira propriamente dita, e uma entidade como a AESBE tem papel fundamental na difusão das melhores práticas de regulação”.
O economista considera ser preciso melhorar as debentures de infraestrutura, e sugere que estes papeis tenham característica híbrida, de renda fixa e de renda variável, permitindo a participação de um núcleo de sociedades de propósito específico, e que participem de parcerias público-privadas.
“Isso tornaria os papeis mais atraentes e tornaria esta captação e emissão mais atraentes, especialmente em um momento como o atual, em que há retração do credito oficial, o que torna para as empresas de modo geral fundamental haver fontes alternativas de crédito”.
Experiências internacionais
Segundo o economista, que traçou comparativos entre o mercado de saneamento brasileiro e os de outros países, não há modelo único de gestão para o setor, mas há experiências internacionais importantes que podem ser absorvidas como modelo.
“Inglaterra, Estados Unidos, França, há vários modelos ao longo do tempo, eles variam no tempo e no espaço, e procuram refletir momentos históricos específicos. O relevante é conseguirmos enfrentar o desafio e romper o círculo vicioso que atinge a maioria das empresas do setor. Por exemplo, nós estamos precificando a água como se fosse algo abundante, e não em escassez. Há muita demagogia e populismo no preço da água. Há déficit de receita para cobrir despesas, há insuficiência operacional, em consequência disso uma baixa qualidade de serviço e baixa disposição de pagamento. Quando o serviço melhora a disposição de pagamento também melhora. E isso só se dá colocando um tripé na infraestrutura de saneamento: bom planejamento, boa regulação e boa gestão são os pilares fundamentais”, afirma Gesner.
O economista mostra que no Chile, um modelo considerado de sucesso, 96% das empresas de serviços do setor de saneamento são de natureza privada, enquanto os 4% restantes são atendidos por prestadores como cooperativas e municípios. Gesner aponta que quanto mais próximo estiver do modelo de mercado, mais eficiente será o setor de saneamento, e cita a experiência do Reino Unido, que integra grandes entre diversas áreas, com estimulo à competição.
“A necessidade de haver regulador está associada a uma falha de mercado. Obviamente, não se espera que o saneamento ou qualquer setor com características de monopólio natural vá se comportar exatamente como o mercado. Porém, a regulação é tanto mais eficiente quando ela consegue mimetizar o mercado, de certa forma estabelecendo um ambiente competitivo. Isso torna a regulação mais eficiente, mais minimalista, menos burocrática e mais flexível e adequada às tendências de mercado”.
Regulação atrasada
Ao comparar a regulação do saneamento com a de outros serviços públicos, Gesner diz que o setor está na ‘zona de rebaixamento’, e avalia que em parte isso se deve a uma regulação retardatária.
“Na verdade, o marco regulatório, que foi amplamente discutido, só veio na segunda metade dos anos 2000, enquanto outros segmentos como como telecomunicações, petróleo e gás e o setor elétrico tiveram a regulação em períodos anteriores. É um marco muito importante, pois colocou mais foco no cliente em um ambiente competitivo, e há aspectos positivos no novo marco regulatório comparativamente ao passado. Mas ainda há muita coisa a ser feita, em particular no que diz respeito ao financiamento de longo prazo, que ainda tem muito para ser desenvolvido”.